ASSIM MATARAM A REDE TUPI
FIM ... EO CAMERA CHOROU...Jornal/Revista: Jornal do BrasilData de Publicação: 19/7/1980Autor/Repórter:DENTEL LACRA 7 EMISSORAS DE TVS ASSOCIADASBrasília - Ontem às 8h30m, o diretor-geral do Departamento Nacional de Telecomunicações - Dentel, Coronel Antônio Fernandes Neiva, ao receber o Diário Oficial da União que publicou os atos do Presidente da República, considerando peremptas - não renováveis - as concessões de sete emissoras de televisão do Grupo Associado, expediu, via telex, ordem para os diretores regionais do órgão, onde se localizam essas televisões, para interromper imediatamente as transmissões e, conseqüentemente, o lacre de seus transmissores.No começo da tarde, todas as sete emissoras estavam com seus transmissores lacrados. A TV Tupi, do Rio de Janeiro, foi última emissora, a ser lacrada, às 12h33m e TV Marajoara, de Belém, a primeira, às 9h20m. O diretor-geral do Dentel informou que durante o processo do lacre não louve qualquer incidente, apesar do clima de emoção que a medida provocou. Disse que recomendou ao pessoal encarregado de executar essa missão que evitasse qualquer tipo de confronto, que usassem de máxima cautela e de urbanidade para evitar qualquer choque com os funcionários.SÃO PAULO: A GREVESão Paulo - Os transmissores da TV Tupi, canal 4 de São Paulo, foram lacrados ontem de manhã, pelo Dentel, cumprindo decreto assinado pelo Presidente Figueiredo e formalizando o fim de emissora que foi a pioneira no Brasil e durou 30 anos. "Joguei flores quando foi inaugurada. Agora, jogo a pá de cal" disse o diretor da S.A. Rádio Tupã, Sr Mauro Gonçalves.Ele recebeu das mãos do agente fiscalizador do Dentel, Sr Carlos Alberto Almeida Campos, três cristais, peças fundamentais dos transmissores, e assinou termo de interrupção. Cerca de 40 funcionários assistiram ao ato de lacração, no 10º andar do prédio do Sumaré; alguns procuravam os cantos para esconder lágrimas.O superintendente administrativo, Sr Wilson considerou o desfecho da TV Tupi "natural pelo comportamento da direção da empresa, mas extremamente chocante para quem foi dela funcionário".A LACRAÇÃO - O ato de lacração foi rápido e, após a retirada dos cristais, agentes do Dentel, funcionários e diretores da TV Tupi reuniram-se no 9º andar, para assinatura do termo de interrupção, em papel timbrado do Dentel - a diretoria regional de São Paulo, que levou o número 1/80. O documento diz que os transmissores não poderão ser deslacrados a não ser por autorização daquele órgão.O diretor da S.A. Tupá, Sr Mário Gonçalves, 62 anos e 45 de trabalho nos Diários Associados, depositário dos cristais, colocou as peças em cofre. "Só recebo honrarias", disse ele - "em meus 45 anos de empresa, a proteção foi meu esforço, algumas vezes reconhecido, outras desprezado. Tenho meu trabalho e meus filhos e luto com dificuldade. Mas sou católico, creio na ressurreição de Cristo e por isso também num milagre para que a emissora renasça."POTÊNCIA - A TV Tupi ocupava cinco dos 10 andares do prédio no Sumaré, onde continuam funcionando as rádios Tupi, Difusora AM e Difusora FM. A torre que sustentaria a nova antena da TV de 50 W de potência estava em fase de acabamento; seria a maior da América do Sul.BELÉM: 9H20MBelém - A TV Marajoara nem chegou a entra no ar ontem: antes das 10h, quando um funcionário do Dentel chegou à emissora para lacrar seus transmissores, já encontrou a emissora sem funcionar. Roberto Jares Martins, seu diretor, tinha certeza que a portaria do Ministério -das Comunicações declarando a perempção da concessão do Canal 2 seria publicada no Diário Oficial de ontem e por isso ordenou que o canal não gerasse sua programação pela manhã, até que o Dentel definisse a situação. A emissora saíra do ar aos 17 minutos de sexta-feira, exibindo um filme, Tempos Difíceis. E não retornou mais.BELO HORIZONTE: 10H27MBelo Horizonte - A direção dos Diários e Emissoras Associados em Minas ainda não decidiu o que fará com os 300 empregados da TV Itacolomi, que ontem não chegou a entrar no ar. Por enquanto, nenhuma demissão foi anunciada e, ontem, em nova nota, o Sindicato dos Jornalistas de Minas exigiu que o Governo se responsabilize pelo reaproveitamento dos 300 demitidos.A decisão dos Associados sobre os funcionários só deve ser anunciada segunda-feira e, se demitidos, os optantes pela CLT serão indenizados pela própria empresa, cabendo ao Governo pagar aos demais. A nota do Sindicato dos Jornalistas diz que "o Governo deve ser responsabilizado pelo destino dos empregados da TV, promovendo o reaproveitamento de todos pela nova concessionária, ou então pelas empresas estatais."DESOLAÇÃO - Ontem, após a retirada da emissora do ar, às 10h27m, quando representantes do Dentel desligaram os dois cristais dos transmissores da Itacolomi, na Serra do Curral, o clima entre os funcionários, que já em de completa tristeza, chegou à desolação. A emissora não chegou a ir ao ar e foi retirada pelo Dentel quando restavam no vídeo as cores para a programação. Apesar disto, às 12 horas, repórteres da Itacolomi tentavam ouvir do Governador Francelino Pereira opinião sobre a crise na empresa.A operação de retirada do ar e lacre nos transmissores foi executada sob ordens do diretor do, Dentel em Minas, Coronel Fleury, e amparada por um batalhão de choque da de PM, que se deslocou até o prédio central da emissora. Durante todo o dia, uma guarnição da radiopatrulha permaneceu em frente ao local. O Sr Francelino Pereira disse estar atento ao problema e lamentou a decisão, que, afirmou, "ninguém esperava, tendo em vista seus relatórios e sua situação financeira".RECIFE: 10H50MRecife - Diante de 160 angustiados empregados da TV Rádio Clube de Pernambuco, três funcionários do Dentel, à frente a Sra Ana Maria Belfort, lacraram ontem pela manhã, as 10h50m, os transmissores da emissora, uma das sete da Rede Tupi, cujas concessões foram cassadas pelo Governo.Mesmo avisados de que não poderiam filmar as derradeiras cenas da emissora, ainda chegou-se a transmitir para quatro Estados nordestinos - Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas - o pânico em que se transformou a televisão pouco momentos antes do lacre. O locutor Osório Romero, improvisado na função e um dos editores de jornalismo da emissora, ainda pôde chegar até a alguns metros dos transmissores com microfone à mão, para narrar o epílogo da TV Rádio Clube.Ele conseguiu dizer para os telespectadores, mostrando a angústia dos 160 funcionários da emissora - três minutos antes da retirada do cristal dos transmissores que era um grande momento para todos, "de expectativa, angústia, de sofrimento e de um misto de pânico e desespero".Afirmou, também, que "a nossa única dúvida é com referência a nossa sorte daqui para a frente. As nossas esposas, nossos filhos, nossos familiares encontram-se numa tensão emocional incontrolável. Nesta oportunidade, fazemos um apelo ao Excelentíssimo Sr Presidente da República para olhar por nós. Aos nossos telespectadores, o nosso agradecimento pela audiência, nossa gratidão pela solidariedade".Alguns funcionários chegaram a chorar. Todos estavam bastante comovidos e mostraram que estavam solidários uns com os outros. O cinegrafista Inaldo Lins, 37 anos, fundador da TV Rádio Clube, com 20 anos de empresa, não se conteve: "Estou aqui desde os 17 anos de idade. Comecei como laboratorista. e considerava esta empresa como minha casa, pois em aqui que vivia mais, muito mais que com a família. Não encontro uma maneira de me consolar." Próximo o astrólogo Gilvan previa: "Dentro de 30 dias voltaremos ao ar". Como, ele não sabia dizer.FORTALEZA: 11H19MFortaleza - "Afinal chegou o momento". E em seguida a imagem do Canal 2 desapareceu do ar. Era uma equipe do Dentel, delegacia regional, que chegou às 11h19m e começou a lacrar os transmissores da estação quando estava diante das câmeras o animador de auditório, Augusto Borges. Ele ainda lia mensagens de pessoas que faziam apelos ao Presidente da República para que revogasse a medida de cassação dos canais da Rede Tupi.Um dos últimos a falar foi o cantor Fagner, que nasceu artisticamente no Canal 2, em seus programas de auditório, na década de 1970. "Isso tudo faz parte de um complô contra a criatividade brasileira. Eu estou pasmado e até chorando", disse Fagner, em uma fala que durou oito minutos, acrescentando que esta "emissora fala coisas que não são padronizadas. Eu nasci aqui. A gente deve brigar por isso. Espero que retomemos brevemente" e deu um abraço em Augusto Borges que acabam de chorar convulsivamente.Fagner citou Belchior, Ednardo, Petrúcio Maia, Teti, Rodger e muitos outros artistas que brilham pelo Brasil como "crias" da TV Ceará, Canal 2.No missa celebrada em um altar humilde apenas enfeitado por uma cruz branca de isopor, o Bispo-auxiliar de Fortaleza, D Raimundo de Castro e Silva disse que "vamos rezar para que Nossa Senhora de Assunção ilumine o nosso Presidente no sentido, de que ele encontre outro meio para salvar o trabalho de vocês. A Arquidiocese muito deve ao Canal 2 e aos seus integrantes. É aqui, que há muitos anos é rezada a Missa dominical para os doentes."PORTO ALEGRE: 11H55MPorto Alegre - Às 11h55M de ontem, a TV Piratini, Canal 5, interrompeu suas transmissões, saindo do ar depois de 21 anos de trabalho. Enquanto era transmitido um desenho animado dos criadores norte-americanos Hanna e Barbera, um Volkswagen do Dentel subia a rampa da televisão conduzindo três técnicos do órgão com ordem para lacrar os transmissores do Canal 5.Como estava na bom do almoço, alguns funcionários encontravam-se do lado de fora do prédio da emissora, ou na lanchonete, mas esquivaram-se da imprensa, alegando que não sabiam de nada. Poucos foram os que manifestaram sua tristeza pelo fechamento do canal e a esperança de que seu emprego fosse garantido pelo cumprimento da promessa do superintendente regional Associado, Sr Estácio Ramos, de transformar a TV numa Central Produtora de Comerciais.POLICIAMENTO - Desde as 6h um Fiat do 1º Batalhão da Brigada Militar guardava a entrada da TV Piratini, "cumprindo ordens" como disse um dos PMS, acrescentando que a ordem era ficar até que a televisão fosse fechada. Às 11h, chegava outra viatura e uma hora depois uma terceira. As 11h25m, quando o carro do Dentel chegou à TV Piratini, três carros da Brigada Militar policiavam a área, retirando-se logo após a saída do Volkswagen do Dentel.Após o lacre dos transmissores a diretoria da TV Piratini se esquivou de contatos com a imprensa, e entrar na emissora em impossível uma vez que a porta de entrada é controlada por mecanismo eletrônico. O superintendente, regional dos Diários Associados, Sr Estácio Ramos, não fez nenhum comunicado sobre o fechamento da TV Piratini e manteve reuniões durante todo o dia, conforme sua secretária.Eram 10h45m quando o JORNAL DO BRASIL tentou um contato com o Sr Estácio Ramos. Sua secretária informou que ele estava em reunião mas que "estamos todos bem, todos tranqüilos, porque o impacto da notícia já passou e ninguém será prejudicado". As 11h55m, quando a imagem da TV Piratini saiu do ar, a mesma secretaria dizia não saber de nada, que talvez fosse conseqüência de um problema técnico.Os 140 funcionários da TV Piratini continuaram, ontem, depois de lacrados os transmissores, batendo ponto de entrada e saída, e em seus departamentos esperavam a decisão da emissora sobre o destino que seria dado a cada um. Abordados sobre o que estavam fazendo na emissora, os funcionários insistiam em, responder que estavam trabalhando "internamente", enquanto outros, admitiam estarem "olhando um pra cara do outro".RIO: 12H33MEram 12h33m quando Wilson Gomes de Faria, fiscal do Dentel, se curvou sem cerimônia diante do painel cheio de visores e botões eletrônicos, puxou uma espécie de gavetinha metálica e, como quem cumpre tarefa de rotina, retirou calmamente, de dentro dela, um minúsculo cristal. Era o fim. Depois de 30 anos de atividade e com a transmissão derradeira do seu logotipo, saia do ar a TV TUPI.Na fria sala do prédio de transmissão que o outrora todo-poderoso 6 de televisão montara no Alto do Sumaré, tudo em melancolia mas ninguém chorou. Durval Cardoso Filho, técnico de manutenção há nove anos da Tupi e que recebeu, dos funcionário do Dentel o termo de lacração dos transmissores, olhou em frente depois de assinar quatro vias com a mão esquerda e disse sem muita convicção: "É chato mas a vida continua".Momentos antes, no principal estúdio da Urca, cerca de 200 funcionários, muitos deles chorando, olhavam as últimas imagens da emissora: o Papa rezando a missa do Parque do Flamengo. Ao fundo, a voz do locutor Cévio Cordeiro, apelando "ao outro João", o Presidente da República, para que "olhasse os funcionários desempregados".A SAÍDA DO AR - O ritual da retirada do ar da TV Tupi, obedeceu às regras legais. Uma veraneio e uma Brasília subiram ao Alto do Sumaré levando quatro funcionários qualificados do Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações): Hercílio de SantAnna (assistente jurídico), Sebastião Antônio da Silva Sobrinho (engenheiro-chefe de Seção de Fiscalização), Nilton da Silva Rosa e Wilson Gomes de Faria, agentes fiscais.O Sr Hercílio - que, ao despedir-se, pediria desculpas por "qualquer coisa" - sobe a pequena rampa que dá para a sala onde Luís Fernando e Durval Cardoso exerciam ainda um funções de técnicos de manutenção. Logo entrega a Durval o ofício nº 750, destinado ao diretor-superintendente da Sociedade Anônima Rádio Tupi (sem nome) e assinado pelo diretor-regional do Dentel-Rio, Sr Aroldo de Oliveira, pelo qual são apresentados os quatro enviados do Dentel, encarregados que estavam de proceder à "lacração dos transmissores e atos complementares." O Sr Mílton Rosa não deixou de comentar:"Quem devia estar presente para receber o documento era um representante categorizado do Condomínio dos Diários Associados".Os fiscais entraram e passaram a executar a tarefa de que foram incumbidos conforme o termo de lacração em quatro vias: "Lacrei os transmissores da seguinte maneira: retirando o excitador e locando em curto os soquetes das câmaras térmicas dos cristais do transmissor principal."No rodapé do documento, mais uma informação: "Transmissores lacrados de acordo com o telex nº 359/DG/Dentel, de 18/07/80, cumprindo o Decreto 84928/80, que tornou perempta a concessão para execução do Serviço de Radiodifusão de Som e Imagem da S/A Rádio Tupi-Canal 6". O documento foi assinado pelos quatro representantes do Dentel, e Durval Cardoso Filho, pela Tupi, e mais duas testemunhas: Fernando Jatobá Valença e outro de nome indecifrável.Antes de executarem a determinação superior, os enviados do Dentel ainda entraram em contato com o Sr José Arrabal (superintendente da TV Tupi) comunicando que estavam ali para cumprir a missão. Arrabal concordou mas manifestou o desejo de que primeiro lhe fosse permitido acabar de transmitir uma mensagem dirigida ao Presidente Figueiredo para que ele reconsiderasse a cassação do canal 6.Depois que retiraram do excitador o cristal (peça responsável por toda a transmissão televisiva) nos dois painéis (o efetivo e o de emergência) - o que não demorou mais de cinco minutos - os fiscais procederam à lacração dos aparelhos, com os números 5.187.165 e 7.369.887. Tudo se processou tranqüilamente e quase como se se tratasse de uma prática de rotina.Os enviados do Dentel se retiraram e, aos poucos, a sala foi ficando vazia.Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 2894
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