sábado, 19 de julho de 2008


"Data de Publicação: 01/02/1980"A televisão nas mãos do povoManhã de quinta-feira, 17 de julho de 1980, Cassino da Urca, sede da Tupi carioca. Titos Belline, superintendente de programação da TV e um dos funcionários, procurou José Arrabal, diretor de empresa pedindo permissão para os funcionários colocassem no ar um apelo contra o fechamento da emissora. Arrabal concordou que o apelo fosse feito no programa Aqui, agora. Mas, assim que o programa começou, o diretor tirou-o do ar , pondo em seu lugar um anúncio. Quase houve um conflito dentro do Cassino da Urca. Pressionado, Arrabal resolveu ir para casa e a emissora ficou na mão dos funcionários. Eram três da tarde. Os trezentos funcionários reuniram-se no palco do estúdio e começaram a transmitir seus protestos para todo o Rio de Janeiro. Carlos Lima e Jorge Perlingeiro, um dos apresentadores que comandavam seu próprio espaço na programação da emissora, lideravam os funcionários. Começava uma vigília que os funcionários pretendiam manter até que o Dentel determinasse a lacração dos transmissores. As três câmeras da Tupi carioca foram oferecidas para quem quisesse registrar seu protesto. O primeiro telespectador a manifestar-se foi Antonio Cassua, 62 anos, aposentado. Ele propôs ao povo que comprasse ações da Tupi para ajudar os funcionários. "Perguntei à minha mulher se ela compraria uma ação da Tupi por mil cruzeiros ela disse que sim. Perguntei ao vizinho, ao quitandeiro e todos disseram que sim. Então resolvi trazer aqui a minha idéia." Vários artistas foram à Urca prestar solidariedade. Jô Soares acompanhado da belíssima Silvia Bandeira passou por lá, Juca Chaves propôs que a concessão do canal fosse dada aos artistas. O comediante Costinha foi fazer uma saudação e um apelo ao presente: : "Sr. João Goulart...", começou ele. Depois garantiu que não foi piada. Fora erro mesmo. O velho capitão Asa ressurgiu das cinzas, pedindo às "crianças" que o assistiam há vinte anos que apoiassem o pessoal da Tupi. Um antigo fã subiu ao palco e começou a chorar. Aproximou-se do microfone e sussurrou: "Eu amo a Tupi".Às onze e meia da noite da quinta-feira, Carlos Lima manteve uma conversa telefônica no ar, com o ministro das Comunicações, Haroldo Correa de Mattos. Um trecho do diálogo:Lima: A TV amanhã sairá do ar?Mattos: Qual a solução que você oferece?Lima: A passagem do controle da emissora para os funcionários.Mattos: Não posso oferecer nada. É preciso dar tempo ao tempo.Logo depois, uma ligação inesperada que também foi ao ar. O jornalista Milton Coelho da Graça ligou de O Globo para ler um telex que seria publicado no dia seguinte. Era uma entrevista com o ministro da Comunicação Social, Said Farhat, em que ele admitia a hipótese de estudar a concessão do canal, a titulo precaríssimo, aos funcionários, depois de lacrados os transmissores, enquanto a solução definitiva não viesse. Milton explicou que telefonaria a pedido do próprio Roberto Marinho, proprietário de O Globo e da TV Globo. Palmas e mais palmas para Marinho. No ar na Tupi.O desfile de artistas continuava. Clóvis Bornay, Ney Latorraca, Jerry Adriani passaram pelo palco da Urca. Quando aos apelos para que o presidente Figueiredo desistisse de declarar a perempção, improvisava-se. Carlos Lima leu texto enquanto eram projetadas imagens da visita do papa. Fernando Chateaubriand, filho do velho senador, lançava apelos patéticos ao presidente: "Em nome da amizade que unia os nossos pais peço que entregue as estações aos funcionários para que eles façam a segunda maior rede do país".Preces e apelosGilberto Marinho, que representava o falcão Negro na Tupi carioca – em São Paulo o papel era feito por José Parisi -, fazia discursos inflamados. "Estou consternado com a situação dos funcionários, vitimas da irresponsabilidade e da desonestidade dos condôminos", clamava ele. De vez em quando, um anuncio ia para o ar. Ou então um cameraman focalizava algum colega que chorava descontroladamente. Um pastor protestante puxou uma oração e foi aplaudido. À meia noite todos rezaram de mãos dadas. Uma rede de radioamadores cariocas começou a transmitir para Brasília sugestões para que o governo revisse sua decisão. Horas antes, até um ajudante de ordens do presidente da republica telefonou. Era o capitão Getúlio. Ele ouviu apelo de Carlos Lima para que interferisse junto ao presidente. Infelizmente Figueiredo estava em reunião e não pode ser incomodado. Apesar das conversas oficiais, tratava-se, sem duvida, de um raro momento em que o povo estava com uma estação de televisão ao alcance de suas mãos. Vivia-se, apesar de tudo, um clima bem diferente do de São Paulo. Em São Paulo, os funcionários que estavam em greve e os que insistiram em permanecer trabalhando criaram um divisor de águas difícil de ser superado. Embora tinha havido manifestações de boa vontade entre as partes, depois que a emissora paulista saiu do ar, os grevistas de última hora relutaram em comparecer às assembléias no sindicato dos radialistas. A começar pelos diretores como o ex-galã Walter Foster -, sobre os quais os grevistas concentravam toda a sua ira. Eles, ao que tudo indica, ficariam de fora do empréstimo de 40 milhões concedido pela Caixa que provavelmente começará a ser distribuído a partir desta terça-feira, 22 de julho de 1980.Aluízio Maranhão"Revista Istoé 23/7/1980"

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